PILATOS E JESUS

05/07/2016 16:16

76 páginas  –  1ª edição – 2015

 

Quem é Pôncio Pilatos, o prefeito da Judeia diante do qual se dá o processo de Jesus que se conclui com a crucificação? Um tirano cruel e implacável ou um funcionário temeroso e hesitante, que se deixa convencer pelo sinédrio a condenar um homem que ele acredita ser inocente? Uma máscara irônica e desencantada que pronuncia frases memoráveis ("O que é a verdade?", "Ecce homo!", "O que não escrevi, escrevi"), ou uma severa figura teológica sem a qual o drama da paixão não poderia se cumprir? Recolocando em cena o processo em todas as suas fases, Agamben propõe uma leitura inédita e pontual. No diálogo entre Pilatos e Jesus, dois mundos e dois reinos estão frente a frente: a história e a eternidade, o sagrado e o profano, o juízo e a salvação.

 

Em Pilatos e Jesus, o filósofo Giorgio Agamben procura mostrar em que sentido o processo de julgamento daquele que "veio ao mundo para nos salvar" pode ser visto como uma "alegoria de nosso tempo". Jesus é levado ao julgamento e condenado sem que lhe tenha sido proferida qualquer sentença definitiva.

 

No credo, os cristãos recordam que Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos. O destaque conferido ao prefeito romano da província da Judeia expõe o caráter mundano desse momento-chave da história da humanidade. No entanto, a morte do filho de Deus é acontecimento que não se encerra neste plano histórico. Seu desdobramento possibilita aos homens un novo vínculo, renova-lhes a aliança com o que está além deste mundo e é a-histórico.

 

Em grego, o ato de julgar denomina-se krisis. O temor comporta tanto o significado jurídico quanto médico ("julgar" se em que o momento o paciente morrerá) e o teológico (o Juízo final). O processo da entrega de Jesus por Pilatos constitui uma krisis porque expõe o confronto de dois mundos inconciliáveis: o reino temporal vai julgar o Reino eterno. Perguntado sobre os crimes que teria cometido, se era o Rei dos judeus, Jesus responde: "O meu reino não é deste mundo".

 

krisis também se expressa no fato de o processo contra Jesus não constituir um julgamento em senso estrito. Pilatos – personagem histórico – desenvolve também uma função teológica ao desencadear o processo jurídico pelo qual sabemos que Jesus pertence a outro mundo. No entanto, o ato de julgamento não se consuma, o processo que os envolve não chega a uma conclusão. O processo sem julgamento comporta uma contradição profunda nos termos de direito: "que haja um processo, mas não um julgamento, é, na realidade, amais severa objeção que se possa levantar contra o direito".

 

A história desse processo sem conclusão descreve a trajetória de um julgamento que instaura uma crise. Insolúvel, o embate entre dois mundos, Pilatos face a face com Jesus, comprovaria duas ideias da modernidade: "que a história seja um 'processo' e que esse processo, enquanto não se concluir em um juízo, esteja em permanente estado de crise". Pilatos e Jesus se debruça sobre o que para os cristãos é o absurdo da crucificação de Jesus. Ao mesmo tempo, joga luz sobre uma das marcas do nosso presente histórico: momento atravessado por um processo cuja irresolução instaura a crise permanente.